Violência contra crianças com deficiência: Um problema que necessita de discussão

Por Catrina Jacynto

Quando se fala sobre a relação entre a sociedade e as pessoas com deficiência, é possível tomar como partida diversos temas de discussão, como a acessibilidade e a inclusão. no entanto, é impossível falar dos direitos das pessoas com deficiência sem mencionar um tópico sensível como a violência sofrida pelas mesmas principalmente quando crianças, uma realidade ainda recorrente nos dias atuais. Tal pauta não pode ser negligenciada, uma vez que é necessário jogar luz sobre esse tipo de acontecimento não apenas para levantar iniciativas que visem extinguir esse tipo de discriminação, mas também para refletir sobre as motivações desse problema.

A violência contra crianças com deficiência é uma questão grave que gera milhões de vítimas ao redor do mundo, fato confirmado por diversas estatísticas. Segundo um estudo divulgado em 2013 pela Unicef, crianças com deficiência são três vezes mais propensas a sofrerem violência do que crianças sem deficiência. Além disso, uma análise publicada recentemente pela The Lancet Child & Adolescent Health concluiu que, em todo o mundo, 31,7% das crianças e adolescentes de 0 a 18 anos foram vítimas de violência, contabilizando aproximadamente 16,8 milhões de crianças e adolescentes com deficiência de 25 países que haviam sofrido algum tipo de violência.

Recentemente, um caso que ganhou ampla repercussão nas mídias sociais e jornalísticas foi o de uma menina autista vítima de humilhação e bullying por parte de outras crianças numa escola do Rio de Janeiro. No vídeo do ato, a menina é ofendida e agredida enquanto as demais crianças riem das suas reações de desconforto. Além da dimensão da violência provocada por crianças da mesma faixa etária, chamou atenção a reação da diretora ao ocorrido. Em outro vídeo publicado, a mesma dá declarações numa sala de aula culpabilizando quem gravou o vídeo da agressão, desviando o foco do acontecimento para a popularização do mesmo ao invés de procurar compreender o porquê de crianças em plena escola acharem cômico perseguir uma colega com autismo.

Na tentativa de buscar razões para esse tipo de hostilidade, não é preciso um aprofundamento mais extenso para constatar que, infelizmente, o fato de uma criança com deficiência muitas vezes não ter condições de se defender ou de relatar agressões verbais ou físicas faz com que elas sejam alvos fáceis para os agressores. Segundo a Ampid (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência), o próprio poder público pode ser um fator de violência. Diversos elementos colaboram para que essa situação persista, tais como a falta de punição dos agressores, o receio de reportar o abuso, as crenças preconceituosas acerca da inferioridade do outro e o menosprezo da vítima. Além disso, a desinformação e a falta de orientação adequada, sobretudo no ambiente escolar, que é um local propício para a formação intelectual e social, viabiliza a perpetuação de estigmas, estereótipos e preconceitos que, inicialmente, serão combustível para piadas, e em seguida, um gatilho para a intolerância.

Diante de uma problemática tão complexa e enraizada na sociedade, pensa-se em meios eficazes de eliminar – ou, ao menos, reduzir drasticamente – os atos de discriminação frente àqueles que não se enquadram nos padrões estabelecidos. De acordo com Zuyi Fang, co-autora de um estudo direcionado às estatísticas de violência sofrida por crianças com deficiência, embora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU visem eliminar a violência como um todo contra crianças até 2030, isso demandará que líderes políticos e pesquisadores atuem em conjunto para implementar ações que gerem efeitos positivos na sociedade, intervindo diretamente em diferentes comunidades a fim de proporcionar a conscientização almejada. Além disso, a assertividade da legislação deve ser garantida. No Brasil, é previsto na Lei nº 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que é considerado crime praticar qualquer ato de violência física ou psicológica contra uma pessoa com deficiência, com pena de 2 a 5 anos de reclusão.

Por mais que existam meios legais para legitimar a proteção das crianças com deficiência da violência, o sucesso de todas essas ações depende exclusivamente da mudança ideológica da sociedade a respeito das pessoas com deficiência. Enquanto os preconceitos não forem repreendidos e suprimidos na sua raiz, recebendo o tratamento condizente com a sua gravidade, mais vezes as cenas de discriminação irão se repetir. O caso citado como exemplo ocorreu em plena escola e foi classificado como “brincadeira” pela pessoa responsável por adotar as medidas cabíveis para corrigir as crianças agressoras e orientar os demais membros do corpo docente e discente. Esse tipo de comportamento não pode ser reduzido a uma mera diversão desmedida ou a uma desavença casual, o que demonstra também que a mudança deve ocorrer na forma de lidar com uma intercorrência dessa natureza. Quanto mais cedo for posto em debate esse tipo de conduta e forem enumerados os erros e as suas consequências, maiores serão as chances de verdadeiramente readequar o proceder dos indivíduos envolvidos e, assim, romper com a escalada da violência.

REFERÊNCIAS

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/130530_deficiencia_unicef_lgb

https://g1.globo.com/rj/norte-fluminense/noticia/2023/03/31/aluna-com-autismo-e-vitima-de-bullying-dentro-de-escola-videos-repercutem-e-geram-protesto-em-natividade-rj-video.ghtml

http://www.ampid.org.br/ampid/Artigos/MGugel_Iadya_Violencia_Deficiente.php

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