Daniel Dias: o sucesso brasileiro na natação Paralimpíca

Por Yasmim Verdadeiro Augusto Há mais de 16 anos, o atleta paralímpico Daniel Dias vem se destacando nas piscinas de todo o mundo. Subindo ao pódio mais de 90 vezes, Daniel é o maior medalhista da natação paralímpica do mundo, detentor de 10 recordes mundiais em piscina longa e agraciado com 3 Troféus Laureus.  E toda essa jornada de sucesso começou no dia 24 de maio de 1988, às 3h30 da madrugada, na cidade de Campinas (SP), quando Daniel Dias nasceu na 37° semana de gestação. Com 1,970 quilogramas e 41 centímetros, ele nasceu com má formação congênita dos membros superiores e perna direita, de modo a não ter mãos e o pé direito e, como resultado, ficou 1 semana na incubadora, até que retornou a cidade de Camanducaia (MG) com seus pais.   Logo em março de 1991, Daniel teve que passar por uma cirurgia no Hospital Vera Cruz, em Campinas, para que pudesse usar prótese. Recuperado da cirurgia, já com 3 anos, Daniel começou a usar uma prótese, mas enfrentou dificuldades de adaptação, pois, conforme relata seus pais, Rosana e Paulo, Daniel praticamente teve que aprender a andar. E foi logo com 16 anos que a vida de Daniel mudou. Como o atleta afirma, em entrevista concedida ao CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), “eu descobri a natação quando eu tinha 16 anos ao assistir o Clodoaldo Silva ganhando medalhas para o Brasil durante os Jogos Paralímpicos de Atenas em 2004.” No mesmo ano, seu pai conheceu a Associação Desportiva para Deficientes (ADD), que tinha um projeto voltado à iniciação esportiva de crianças e adolescentes com deficiência, local no qual o potencial de Daniel foi descoberto. “Em oito aulas eu já tinha aprendido a nadar os quatro estilos. Foi quando eu percebi o dom que Deus tinha me dado e que estou apenas lapidando até hoje.” No ano seguinte, o nadador decidiu ser atleta profissional, quando participou de sua primeira competição nacional, em Belo Horizonte. Já neste Campeonato Brasileiro, Daniel ganhou sua primeira medalha: “Ganhei uma medalha de bronze que significou muito para mim, me provou que eu poderia ir em busca dos meus sonhos.” E, desde então, sua carreira alavancou cada vez mais. Com muito esforço e dedicação, Daniel conquista bons resultados nas piscinas há mais de 16 anos devido a disciplina em seus treinos e pelo apoio de sua equipe. “Treino de segunda à sexta na piscina por cerca de duas horas e faço musculação três vezes na semana. […] Não treino mais aos fins de semana, pois entendo que também necessito de treinamento mental. Estar bem psicologicamente é essencial para o meu desempenho e eu encontro esse equilíbrio dividindo parte do meu tempo com a minha família”. Além dos treinos, Daniel é auxiliado por uma equipe multidisciplinar composta por Igor Russi (técnico), Fábio Neves (preparador físico), Juliana Magrini (nutricionista), Eduardo Oliveira (fisioterapeuta) e Simony Morais (médica).  Segundo o nadador, a disciplina nos treinos é essencial para se alcançar bons resultados. “Normalmente as pessoas só prestam atenção no resultado final, mas, por exemplo, em média são quatro anos de treinamento intensivo para se chegar a uma Paralimpíada. Muito tempo para nadar alguns segundos. […] Não acredito que haja um segredo nem fórmula mágica para o sucesso. Existe muita dedicação! Muito treino! A disciplina é essencial para o esporte de alto rendimento.” E os frutos de toda essa dedicação e esforço se materializam em diversas conquistas que Daniel Dias coleciona em sua vida. Considerando Jogos Paralímpicos, Mundiais e Jogos Parapan-Americanos, o atleta possui 97 medalhas, sendo 78 de ouro, 13 de prata e 3 de bronze e é justamente esse fato que lhe dá o título de maior medalhista da natação paralímpica do mundo. Além disso, Daniel é o único brasileiro a ter três Troféus Laureus (considerado o “Oscar do Esporte”), conquistados em 2009, 2013 e 2016. Atualmente, o nadador compete nas categorias S5, SM5 e SB5, nas provas de 50 e 100 metros livres, 50 e 100 metros peito, 200 metros medley, 50 e 100 metros costas, e 50 metros borboleta. Ademais, é patrocinado por Adidas, GS1 Brasil, Panasonic, Time São Paulo, Citi, Mackenzie, Ottobock, Bolsa Atleta, Visa, tendo como parceiros a Alquimia, Instituto de Prótese e Órtese (IPO) e Nutrivial. E, seguindo as rotinas de treinos, nos últimos meses Daniel está se preparando para competir nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, com início no dia 24 de agosto. “Tenho as melhores expectativas para os Jogos de Tóquio. Fiz a minha melhor marca nos 50 metros livre no último Mundial e me encontro na minha melhor forma física. Estou treinando forte para entregar a minha melhor versão no evento.” Contudo, já com 33 anos, Daniel anunciou sua aposentadoria após os Jogos de Tóquio. Mesmo conquistando suas melhores marcas nos últimos anos, o nadador afirma que “o motivo central da decisão tem a ver com o encerramento de um ciclo da minha vida como atleta, de sensação de dever cumprido mesmo. […] Fico feliz por ter mostrado a capacidade da pessoa com deficiência e de ter levado o Brasil para este patamar no esporte mundial.” E, após 16 anos de muito sucesso e dedicação, Daniel tem consciência de toda a influência que causou no mundo do esporte: “Fico extremamente feliz de poder ser um exemplo para as pessoas, sejam elas com ou sem deficiência. Acredito que o importante é transmitir a mensagem de que somos capazes de realizar os nossos sonhos.”  No entanto, o nadador não pretende parar seus trabalhos depois de sua aposentadoria. Após os Jogos de Tóquio, o atleta tem a intenção de se dedicar mais à vida fora das competições: “Vou continuar a ministrar as minhas palestras e clínicas de natação e também sigo na atuação como membro do Conselho Nacional de Atletas e da Assembleia Geral do Comitê Paralímpico Brasileiro.” Ademais, pretende dedicar ainda mais tempo a seus filhos Asaph, Daniel e Hadassa.  Um outro projeto importante que Daniel quer dar continuidade após sua aposentadoria é em relação ao Instituto Daniel Dias (IDD), fundado em 2014,

Cordas e O Presente: uma oportunidade de reflexão sobre a inclusão

Por Yasmim Verdadeiro Augusto Não é de hoje que a arte retrata a vida e nos faz refletir sobre nossas atitudes e sobre as pessoas com as quais convivemos. E não é diferente com os curtas-metragens, filmes de pequena duração que abordam diversas temáticas e com variados objetivos. E um dos temas tratados por esse gênero cinematográfico é a inclusão de pessoas com deficiência no convívio em sociedade.  Estigmatizadas e rodeadas de preconceitos, as pessoas com deficiência, infelizmente, constantemente lidam com as barreiras da exclusão social. Então, com o objetivo de romper com esses paradigmas, os curtas Cordas e O Presente são referências na abordagem do tema e mostram que viver a vida felizmente é possível, independente das circunstâncias. Cordas (2013) Em pouco mais de 10 minutos, o curta-metragem espanhol Cordas (no original, Cuerdas) leva o telespectador a experimentar sentimentos de alegria e empatia, o que o faz até mesmo derramar lágrimas de compaixão. Escrito e dirigido por Pedro Solís García, a história é inspirada e dedicada a seus próprios filhos. Seu filho Nicolás possui paralisia cerebral, o que o impede de andar e falar. Por outro lado, sua filha, Alejandra, faz de tudo para que o irmão se sinta pleno em sua infância. Demonstrando a importância que sua realidade pessoal teve na construção da história, Pedro até mesmo realiza uma dedicatória ao final de seu trabalho. Essa produção audiovisual fez tanto sucesso que foi vencedora de mais de 125 prêmios, além do prêmio Goya 2014 na categoria de “Melhor curta-metragem de animação”. Ademais, se tornou um marco por, em poucos minutos, ser capaz de tratar de assuntos como amizade, amor ao próximo, respeito às diferenças e inclusão escolar, além de combater as barreiras da aceitação. Mas, afinal de contas, do que se trata essa história inspiradora? O curta narra a história fictícia da amizade entre María e Nicolás. Ambos são moradores de um Orfanato Provincial, mas Nicolás tem paralisia cerebral – o que o impede de falar e andar – e não é bem aceito pelas outras crianças do local. María, pelo contrário, se interessa pelo menino e busca sempre ajudá-lo. Durante a narrativa, a menina nota as impossibilidades de Nicolás, mas não desiste de tentar uma proximidade. Para tanto, reconfigura e recria jogos e atividades. Com o auxílio de uma corda, María e Nicolás jogam futebol, leem livros, empinam pipas, brincam de esconde-esconde e de pirata. Ao longo dessas brincadeiras, Nicolás vai expressando reações de felicidade através de sorrisos, coisa que não fazia no início do enredo. Isso tudo revela, como afirmou o próprio Pedro em uma de suas premiações, que “há cordas que não amarram; e sim, libertam”.  Diante desse cenário, María vai, cada vez mais, se animando com a recuperação de seu amigo. No fim, muito mais do que ensinar María a beleza da amizade e a graça de ser feliz na companhia de quem se ama, Nicolás influencia o rumo que a vida da menina toma 20 anos após o episódio narrado. Quer saber como? Então, não perca a oportunidade de apreciar o curta dublado no link. O Presente (2014) Baseado na tirinha Perfeição do ilustrador brasileiro e criador do site Mentirinhas, Fábio Coala, o curta O Presente mostra, em cerca de 4 minutos, a reação de um garoto ao receber de presente um cachorro sem uma das patas dianteiras.  Essa adaptação cinematográfica foi resultado de um projeto de conclusão de curso do alemão Jacob Frey que, como consequência da qualidade do trabalho que produziu, recebeu um convite de emprego dos estúdios Disney, onde trabalha atualmente. Além disso, o curta fez tanto sucesso que foi eleito como “O Melhor Curta-Metragem” no Festival de Bruxelas, além de ter participado de mais de 180 festivais de filmes, dos quais ganhou 50 prêmios. O curta recebeu esse reconhecimento internacional devido a temática que aborda: de que limitações físicas não são impeditivas para a felicidade. E como isso se constrói ao longo da narrativa? Tudo se inicia em uma sala escura, com um garoto agarrado aos videogames e que ganha da mãe um filhote de cachorro. Inicialmente, feliz com o presente, o menino expressa um sorriso no rosto, mas a situação muda quando ele nota que o cãozinho não tem uma de suas patas dianteiras.  Devido a limitação física, o garoto rejeita o cachorro, soltando-o no chão e voltando a dar atenção ao videogame. Mas o animal não se deixa abalar: encontra uma bola vermelha no chão e começa a brincar, mesmo enfrentando alguns tombos decorrentes da ausência de uma de suas patas.  Diante da situação, o menino conclui que, independente de sua deficiência, o cachorrinho era feliz e não deixava de viver, de modo que não era a ausência de sua pata que o tornava menos perfeito. Assim, pouco a pouco, há uma desconstrução da estigmatização estabelecida pelo garoto em relação à deficiência do animal, de modo que, através da empatia, o menino revela, no fim, ter muito mais em comum com o cãozinho do que o telespectador pode imaginar. Quer saber como? Então, não deixe de conferir o curta, na íntegra, no link. Não perca também a oportunidade de ler a tirinha de Fábio Coala, que inspirou essa produção cinematográfica, clicando no link. Esses dois curtas-metragens, portanto, refletem sobre ações de inclusão e sobre como determinadas deficiências são estigmatizadas pela sociedade. Mas, acima de tudo, o principal ensinamento trazido diz respeito ao fato de que, mesmo com uma certa deficiência, as pessoas não têm limitação para serem felizes.

Torto arado: Inclusão, ancestralidade e debates sociais

Por Dimitrius Voliotis Para dar início ao nosso mês especial de indicações, trazemos a sugestão do livro “Torto Arado”, do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior. A obra de 2019 se passa no sertão da Chapada da Diamantina, retratando a história de famílias em condições análogas à escravidão, que trabalham em terras de grandes latifundiários.  As principais personagens são Bibiana e Belonísia, irmãs de uma família respeitada pelos vizinhos na fazenda de Água Negra. A trama começa a partir de uma mala misteriosa guardada pela avó das jovens, Donana. Num momento de desatenção dos familiares, Bibiana e Belonísia abrem a mala e encontram uma faca com o punhal de marfim. Inocente e tentada pelo brilho emanando do metal, uma delas coloca o objeto na boca, que é retirado de forma impulsiva pela outra.  Bibiana é quem narra o primeiro terço da história e não deixa claro qual das duas foi responsável pelas partes do acontecimento, o que só é revelado próximo ao fim do livro. O acidente fez com que uma das irmãs perdesse a língua, assim ocorre uma dependência para exercer a comunicação básica com todas as outras pessoas.  A língua de sinais não é uma opção para as jovens, uma vez que só conseguem acesso a uma escola na fazenda depois de muita pressão. A maioria dos habitantes nem mesmo possui a leitura e escrita. Belonísia e Bibiana criam um vínculo ainda mais forte, que Itamar retrata de forma singela, destacando o ambiente desfavorável, explorando as nuances da vida das trabalhadoras rurais em condições precárias. A dependência de Bibiana e Belonísia, por mais que elas não enfrentassem a situação como um fardo, traz contornos mais emocionais à separação das duas. Bibiana foge de Água Negra em busca de oportunidades e da realização de sonhos, que incluíam trazer uma vida digna aos familiares e moradores da fazenda e retornar como professora. A obra de Itamar é cercada por um mistério, afinal não se sabe se Belonísia ou Bibiana perdeu a fala. Apesar disso, o leitor é levado a observar a apreciar a jornada de ambas, que se divide de uma maneira inimaginável para quem leu apenas os primeiros capítulos. A abordagem dada à deficiência é simples, sem tentativas de transformá-la em motivação, tanto para personagens do próprio enredo, como para quem acompanha de fora. Além dos toques sutis sobre o tema, há um grande destaque para a luta das comunidades quilombolas, passando pela história de Donana, até Zéca Chapéu Grande e outros integrantes da família e da comunidade. Os debates sociais perpassam até mesmo os acontecimentos mais emocionais, não sendo um tema paralelo aos sentimentos e ações dos personagens, que são motivados a todo momento pela condição social em que se encontram. Impossível deixar de mencionar a forte religiosidade presente desde as festas de jarê, até a narração da terceira parte do livro, feita pela encantada Santa Rita Pescadeira. A força das tradições sendo passadas de geração para geração e a influência que os encantados possuem na vida dos moradores de Água Negra realçam os aspectos da ancestralidade e formação do povo quilombola. Zeca Chapéu Grande e Salustiana, pais de Bibiana e Belonísia, tem um grande papel nisso. Ele por carregar os ensinamentos de Donana e ser o curador espiritual, e ela por assumir o posto de parteira, tarefa que também foi herdada de Donana. Os debates e pontos a serem apreciados na obra se estendem e, para não revelar trechos importantes do enredo, deixo a quem se interessar para que leia, aproveite as reflexões propostas nas mais diversas frentes e se deixe levar pela história de Bibiana e Belonísia.