Por: Yasmim Verdadeiro Augusto
As luzes se apagam, mas a música não começa. Aquela escuridão, momentânea para alguns que aguardam ansiosamente a vinheta de abertura, pode ser infinita para outros.

E você, já pensou em entrar em uma sala de cinema e ficar preso na sensação eterna de que o filme não começa? Você se remexe, ouve burburinhos e incessantemente busca compreender o que se passa ao seu redor. Finalmente você se depara com a admiração alheia “Oh!” e lamenta não poder usufruir do mesmo sentimento sem ver o que se passa.
Por fim, para outros a luz volta e a música de abertura, que todos sabem de cor e salteado e cantam animadamente, faz você ficar sem reação ao não saber do que se trata e não compreender tanta felicidade.
Essa temática, um tanto quanto marginalizada nos debates sociais, voltou à tona neste domingo dia 3 de novembro de 2019. Após anos e meses de preparação o terror dos vestibulandos, o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), foi revelado: “A democratização do acesso ao cinema no Brasil”. Pegos de surpresa, a temática foi encarada como surpreendente e abrangente por abordar aspectos de desigualdade socioeconômicos e acessibilidade.
O acesso à cultura é um elemento garantido pela Constituição Federal de 1988 que oferece a sua democratização, o que envolve tanto manifestações artísticas, teatrais, cinematográficas, de dança, entre outros. Entretanto, infringindo a questão da igualdade dos brasileiros, o acesso à cultura é muito desigual no Brasil, o que além de limitar essa aquisição de conhecimento cultural por parte da população, priva as pessoas de oportunidades e experiências de lazer e entretenimento, afinal, “A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte”.
Conforme estudos realizados pelo G1, no Brasil há uma sala de cinema para cada 65.169 habitantes, mas essa concentração muda de região para região, já que de acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Região Sudeste concentra 52% de todas as salas de cinema do país com a maior quantidade estando no estado paulista, ou seja, a maioria das salas se localizam em grandes centros urbanos, normalmente em shoppings, o que leva a um esquecimento do atendimentos das cidades interioranas e daquelas com dificuldades econômicas, pois o cinema não apresenta um valor acessível a todos.
Agora, fica a pergunta: quantas dessas poucas salas de cinema oferecidas em locais pontuais do país podem ser utilizadas por pessoas com alguma deficiência ou limitação física? Infelizmente poucas! No Brasil, a primeira sala de cinema com completa acessibilidade foi inaugurada somente em julho deste ano em Curitiba! E foi justamente por isso que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência nº 13.146, de 6 de julho de 2015, no Capítulo 9, busca garantir acesso a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades desportivas a esse público. Além disso, para apoiar e dar força à esses objetivos, foi promulgada pela Ancine, a Instrução Normativa nº 128, de 13 de setembro de 2016, cujo Capítulo 2 afirma que “as salas de exibição comerciais devem dispor de tecnologia assistiva voltada à fruição dos recursos de legendagem; legendagem descritiva; audiodescrição e Libras (Língua Brasileira de Sinais)“; além de também dispor de nível de luminosidade adequado para pessoas com autismo.

Mas o que são todos esses nomes complicados? A legislação também dá conta de explicar! A legendagem descritiva é utilizada na acessibilidade para surdos que para além de converter o texto oral presente em diálogos para o texto escrito, realiza identificação dos falantes e sinalizações de efeitos sonoros, como choro, riso, som de pássaros, entre outros. Já, a audiodescrição é uma narração adicional roteirizada integrada ao som original, descrevendo ações, ambiente, sentimentos, linguagem corporal, caracterização de pessoas, etc, empregada usualmente na acessibilidade de pessoas cegas. E por fim, a Libras é o segundo idioma oficial do Brasil utilizado pela comunidade de pessoas surdas para transmitir ideias e fatos através de um sistema linguístico de natureza visual-motora.
E você, já viu alguns desses elementos sendo utilizados na televisão, teatros, eventos ou salas de cinema? Bom, se isso não é muito usual, saiba que a legislação deu o prazo máximo de até 1º de janeiro de 2020 para que os ambientes se adaptem 100% e garantam a igualdade perante promoção da acessibilidade e possibilidade de acesso à cultura e lazer por mais de 45,6 milhões de brasileiros (23,91% da população) que têm algum tipo de deficiência severa. E esse prazo já está logo aí!
A democratização do acesso ao cinema do Brasil vai muito além de aspectos geopolíticos, não menos importantes, mas também incluem a questão da acessibilidade como uma problematização a ser considerada. Assim, para você ter a certeza da produção de um texto de sucesso no ENEM, abordar aspectos da localização das salas de cinema no Brasil, problemáticas sociais, incentivo à produção cinematográfica nacional, mas acima de tudo, embasar seus argumentos nas legislações de acessibilidade, com certeza garantirá seu futuro e sucesso na entrada da vida acadêmica. Além disso, propor cinemas gratuitos, itinerantes e que disponham de todas as tecnologias de acessibilidade são ótimas dicas de propostas de intervenção, já que garantem acesso homogêneo ao cinema não só àqueles que vivem em regiões interioranas, mas à pessoas com algum tipo de deficiência que vivem nesses locais e em todo o Brasil.
Assim, lutar por essa causa para além da redação do ENEM é fazer com que lugares deficientes passem a receber todas as pessoas. Afinal, o filme deve começar para todos!
Parabéns,gostei muito do texto!
Brilhante reflexão! Acredito que não muitos candidatos participantes do ENEM abordarão a questão da acessibilidade aos cinemas para os que possuem algum tipo de deficiência, ficando mesmo os textos nos altos preços dos ingressos, na centralização das salas de projeção nos grandes centros urbanos e na censura governamental às produções cinematográficas. Esse seu texto acrescenta uma importante contribuição social. Parabéns! Texto impecável!